Colunas Online » Desatando Nós
Que o direito à equidade não nos roube a diferença
Talvez não se torne capa das principais revistas nem primeira folha dos mais importantes jornais, mas o fato é que o Brasil “conseguiu” lidar judicialmente com alguns de seus “pânicos morais” voltados à população LGTB.
A união civil entre homossexuais pode ainda estar pautada em um modelo heterossexual de relação, porém não se pode deixar de notar que isto não diz respeito só a um fato como unir-se a outra pessoa do mesmo sexo, mas também demonstra todo um reconhecimento de direitos e de legalidade a uma população que estava à margem deste panorama burocrático.
Além disso, o Brasil possui uma concepção fortemente cristã de família, tendendo para a ideia de uma família patriarcal, nuclear para fins exclusivos de reproduções, logo, com a finalidade de manter todo um aparato de se relacionar heteronormativamente (que não foi tão rompido assim como acreditam alguns fanáticos religiosos entre outros).
Este fato não isenta pesquisadores, estudiosos e interessados na área, de refletir acerca das identidades e dos papéis ligados à população LGBT, pois não é uma conquista final, muito pelo contrário, é e sempre será tempo de se pensar e de se aproximar mais efetivamente dos debates que envolvem esta temática.
Assim, abrem-se as possibilidades de tratar estas questões levando em consideração outras áreas, pois esta aprovação indica uma extensão das problemáticas a outras instâncias antes negadas e reclusas a estas populações como a área jurídica.
As falas proclamadas por alguns ministros possuem um teor inédito em locais de tamanha importância política e social, e não representam mera falácia:
Ministro Luiz Fux: “Daremos a esse segmento de nobres brasileiros mais do que um projeto de vida. Um projeto de felicidade”.
Considerando, historicamente, como os homossexuais foram tratados (aberrações, disseminadores da AIDS, loucos, criminosos, pecadores, infames, etc.) se pensar hoje na felicidade desta população é minimamente, enxergar que há encaminhamentos positivos e que anos de questionamentos em relação aos modos com os quais se tratavam LGBTs, finalmente começam a fazer sentido, já que qualquer emancipação da razão humana demanda não só tempo, mas também um desgaste significativo de energia. Energia esta que se prova nesta decisão do Supremo Tribunal Federal com eterna carência de forças que a alimentem.
Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito: “A Constituição Brasileira opera por um intencional silêncio [em assuntos sexuais], mas não é lacuna. Esse já é um modo de atuar”.
Ouvir um ministro dizer que o silêncio da constituição brasileira é “intencional” e que ela possui lacunas no que se referem às algumas populações, é reconhecer que houve e ainda há um código comum que ignora propositalmente, por questões de moral e “bons costumes”, hábitos que são sinceros e não são aceitos simplesmente por serem diferentes, ou seja, comportamentos que são execráveis só porque não pertencem ao hall do que é considerado como normal.
Ainda mais, o ministro reconhece que este comportamento se tornou um ethos como meio de lidar com a situação como se ela não necessitasse ser revista, pelo contrário, apenas retificada constantemente através de aparatos sociais como família, Estado, igrejas e por todos os seres humanos que convivem em sociedade.
Roberto Gurgel, Procurador-Geral da República: “O reconhecimento jurídico das uniões homossexuais não enfraquece a família, mas antes a fortalece”.
Notar que as relações entre homoafetivos também podem ser consideradas uma família porque não só se trata de uma união pautada em afetividade, sexualidade e envolvimento mútuo, mas também de um modo de se organizar socialmente e que este modo “fortalece” a própria organização social, antes de romper com a família tradicional não é ouvir pouca coisa da boca de quem quer que seja.
Resta-nos então estar atentos de que forma essa decisão significativa afetará reciprocamente a subjetividade heterossexual e homoafetiva, pois o engendramento dessas relações será permeado por essa “expansão” territorial desses modos de subjetivação a partir de agora.
Pois para muitos do próprio movimento LGBT, bem como para alguns teóricos, existe o questionamento se nas entre linhas, a subjetividade homoafetiva não está sendo aos poucos capturada pelos padrões heteronormativos, para se garantir determinados direitos e visibilidade social.
O que precisa ficar claro, é que somos diferentes e não iguais, mas que se busca uma igualdade de direitos e não de comportamentos, de posturas, de afetos, de legalização para se conseguir conquistar o que nos é mais importante, a conquista do respeito, como é expressivo nas palavras de Boa Ventura de Souza Santos: "Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades”. (Santos, 2003, p. 56).
Artigo assinado por Fábio Morelli, Graduando em Ciências Sociais na UNESP/Marília e membro do Grupo de Pesquisa e Estudos Sobre Sexualidade (GPESS) e Rogério Melo, Graduando em Psicologia na Universidade Paranaense – UNIPAR e membro do Grupo de Pesquisa de Estudos em Políticas Públicas em Saúde-(GEPPS) e do Grupo de Pesquisa Bioética, Direito e Cidadania e membro da ONG. Expressões, Direitos Humanos, Cultura e Cidadania.